terça-feira, abril 25, 2006


...e porque a vida continua, encontrei este artigo intitulado “O pesadelo português” de Baptista Bastos, jornalista e escritor português, nomeadamente, escreve no Jornal de Negócios de Lisboa, no “Portugal Digital” e decidi partilhar um excerto do mesmo convosco.

Espero que apreciem tanto quanto eu, pois aqui está uma pequena descrição do país em que vivemos!



O pesadelo português

«Bebemos futebol, comemos futebol, dormimos futebol, futebol, futebol, futebol.Viver em Portugal começa a ter semelhanças com um pesadelo infindável. O português acorda e pensa: que vai hoje acontecer-me? E vai, certamente, acontecer-lhe o pior. Estamos cada vez mais afastados da média europeia. Acentuam-se as diferenças entre o hoje que se desvive e as expectativas de há dez anos. Os mais novos não vêem para lá do horizonte imediato. O futuro é-lhes negado, e as ofertas de trabalho são vagas, imprecisas ou inexistentes.

Aumentam os combustíveis e multiplica tudo o que concerne à cadeia alimentar. As rendas de casa estão pela hora da morte; as pensões são miseráveis e preparam-se para aplicar o IRS a quem recebe mais de 500 euros mensais; o desemprego aumenta e a inflação cresce; saem do país milhares daqueles que ao país fazem falta. Aos domingos, as televisões rivalizam com a exibição de desafios de futebol. Nos intervalos e nos finais, comentários de «comentaristas», de treinadores e de futebolistas. Também se ouve este e aquele, ao acaso apanhado na rua. Sobre futebol, é bom de ver?Às segundas-feiras, análises, nos seis canais, dos resultados dos jogos. Graves intelectuais substituem-se a Gabriel Alves ou a Vítor Serpa, já de si austeros, na profusa interpretação dos austeros acontecimentos. Rui Santos, cheio de gel e de Armani’s, discreteia acerca dos insondáveis enigmas do redondo da bola. Terça, quarta, quinta, sexta, sábado e domingo de manhã enchem-nos de previsões, interpretações, teses, antíteses e sínteses sobre futebol, de futebol, com futebol, tudo pelo futebol, nada contra o futebol. Há três diários de futebol, não de desportos: de futebol. Os «generalistas» apresentam seis, sete, dez páginas de futebol, não de desportos: de futebol. Mareiam, nestes nossos tenebrosos tempos, as taras do mais ignaro analfabetismo, alimentado por criaturas que possuem do conhecimento um conceito de eguariços. Bebemos futebol, comemos futebol, dormimos futebol, futebol, futebol, futebol.

(…)

Possuo as listas de reformas atribuídas a altos funcionários de instituições públicas e pró-estatais. Entre os 3 600 contos, os 2 300, os 1 400 e os 1 200 (moeda antiga) os valores mensais não variam muito. E são centenas e centenas os «aposentados» que beneficiam desta obscenidade moral. Entretanto, 120 deputados deram a si próprios umas férias, continuando uma tradição de absentismo impante e impune. Como colegiais faltosos, têm de apresentar justificação da ausência. Quando o Governo nos exige sacrifícios, alguns desses senhoritos surgem, nas televisões, a corroborá-los, aplaudindo. E nem um dos «jornalistas» que os interrogam alude, sequer levemente, à ignomínia dos recebimentos. Salte daí o futebol!
(…)

Está claro que Sócrates é uma metáfora que procede do seu passado adolescente. Não se é político por iniciativa pessoal: é-se político por impulso criador, porque a política insiste em que a realizem. Ora, a não ser Mário Soares, Álvaro Cunhal e Sá Carneiro não houve, no Portugal de Abril, nenhum político que estivesse à altura do impulso criador proporcionado pela História. Cada um deles tinha um projecto (criticável, discutível, mas projecto) para o País: houve quem traísse, houve quem o não conseguisse. Nenhum Governo posterior à «normalização» de Abril apresentou uma, uma só, ideia política inovadora. A História é uma deusa cega.

Vale a pena viver em Portugal? Ao contrário do que expendeu um preopinante na TVI, não é somente o dinheiro que molda bons políticos. É um problema de ética republicana. E a abstrusa comparação entre o que se aufere no sector privado e o que se ganha no sector público, para justificar a mediocridade, a corrupção e a indigência dos políticos, obedece a uma mitologia particular, sem qualquer sustentação racional».



Termino com uma pergunta: Haverão motivos para o tão falado “orgulho português”?

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